Inês Borges
2 min readSep 15, 2023

Tínhamos esquecido como era sentir o gosto amargo na língua.

Nenhum dos dois tinha noção da cena que ocorria bem diante dos seus olhos. O sangue escorrendo no peito de um cavaleiro. A espada de um guerreiro cravada no tronco de um homem que já não lembrava como era estar do lado oposto. E dessa vez, pela primeira vez, um olhar temeroso mas decidido, fez parte do semblante de um soldado que já não tinha vontade de permanecer no front. Nem de ser guerreiro, aliado ou qualquer definição que tivessem inventado em meados de agosto de 1996.

A cena posterior se deu da seguinte forma: o guerreiro soltou a espada que estava cravada no peito do cavaleiro, fez a sua propria linha de fogo, pra lhe manter distante, e foi embora. Não disse adeus com todas as palavras mas fez algo mais convincente do que isso: permaneceu em silêncio. E em silêncio deu todos os seus passos para trás.

O cavaleiro engoliu a seco, mais pelo silencio do que pela espada cravada em seu peito, e concluiu que não havia forma do guerreiro lhe destruir mais do que já tinham o destruído em outrora, isso era a mais pura verdade, entretanto, o silencio conseguiria ir mais fundo do que qualquer espada que ele pudesse lhe apunhalar. “Depois de todo esse tempo, achei que finalmente estivéssemos do mesmo lado, mas acredito que tenha me enganado” o cavaleiro entendeu, enquanto se mantinha no mesmo lugar que estava, sem dar nenhum passo a frente ou pensar em intervir na linha de fogo.

Decidiu não ir atrás do guerreiro, nem exigiu explicações, imaginou que deixar o seu posto fosse mais doloroso do que tomar qualquer outra decisão, e então pra facilidar o caminho do guerreiro, o deixou esquecido no fundo da sua memória, dessa vez para sempre.

Inês Borges

jogando meu corpo no mundo enquanto escrevo sobre as cenas que aparecem na minha cabeça e existo nesse Brasil estranho