Jorge’s Bar

Inês Borges
2 min readDec 2, 2023

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voce me perguntou porque fui embora naquele dia. fui embora pra não cometer um pecado, ora. teria te beijado se tivesse continuado ali, olhando nos teus olhos, enquanto você se embriagava mais um pouco com soda. aquela cerveja era horrivel! a mais barata do bar do seu Jorge. ou melhor, Jorge’s Bar, como dizia naquele letreiro do lado de fora. Você estava jogado na cadeira, as costas atiradas pra trás, a gravata flouxa no pescoço, bebia mais um pouco e dizia “e o pior tu não sabe, aquele filha da puta do Marcos ainda teve a audacia de me olhar torto..” odiavamos os burgueses. como bons proletários, torciamos que alguma coisa acontecesse, uma revolução, algumas janelas quebradas, qualquer coisa, que fizesse a gente não ir trabalhar mais um dia sequer. eu girava a cerveja no copo, como se ouvesse alguma outra substância que precisasse ser misturada ali dentro e tomava em um gole só. Uma mistura análoga entre pudor, tesão, racionalidade e irracionalidade permearam o meu âmago, enquanto eu mandava todo o álcool pra dentro. Decidi então que aquela era a hora de ir embora, usei como desculpa o clássico “já tá tarde né? Acho que já vou indo” você me olhou confuso, normalmente ficávamos até altas horas e ainda, nem tinhamos pedido a nossa porção de pastel de vento. Antes que desse tempo para maiores perguntas, levantei e fui pegando o meu casaco até que você se levantou para se despedir. Me deu um daqueles seus abraços sem jeito, como se em 5 anos você ainda não tivesse aprendido a onde botar as mãos quando meu corpo chegasse perto demais do seu. De imediato senti o teu cheiro, como se ele por si só pudesse me embriagar mais do que qualquer bebida de baixa qualidade vendida naquele estabelecimento. Pensei “tenho que ir embora mesmo” e como se, eu já prevê-se os meus próximos passos, te abracei o mais forte que pude. Suspirei. Você suspirou. Te disse por fim “até segunda!” E desci aquele morro que no final daria na porta da minha casa. Enquanto andava pela avenida barulhenta de uma são paulo em plena sexta feira, pensei no que encontraria quando chegasse em casa: a louça do café da manhã pra lavar, alguma comida que esqueci de botar na geladeira, e uma cama de solteiro vazia.

Você, por outro lado, quando chegasse em casa, encontraria uma cozinba bem arrumada, algum carrinho de controle remeto espalhado pela sala, e uma esposa te esperando do seu lado da cama.

Quando por fim botei os pés em casa, me atirei no sofá e entendi: Nunca mais poderia ir com você no bar do seu jorge, ou melhor, Jorge’s bar.

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Inês Borges

jogando meu corpo no mundo enquanto escrevo sobre as cenas que aparecem na minha cabeça e existo nesse Brasil estranho